No esporte, não é raro um atleta se ver diante de um velho clichê: "Amigos, amigos; negócios à parte". Pelo menos na aparência. Os amigos Flávio Canto e Leandro Guilheiro nunca se enfrentaram no tatame. E a primeira vez pode acontecer neste fim de semana, no Maracanãzinho, durante o Grand Slam de judô do Rio de Janeiro. Se o sorteio das chaves, na sexta-feira, aprontar esta surpresa, eles garantem que a amizade não sofrerá qualquer abalo. Pelo contrário.

Em 2004, os dois voltaram das Olimpíadas de Atenas com medalhas de bronze no peito. Na época, porém, eles estavam em categorias diferentes: Canto na de até 81 kg, e Guilheiro, que repetiria o feito em Pequim, na de até 73kg. Logo depois da China, Leandro passou a ter problemas para controlar o peso e, após uma série de conversas com dirigentes da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), subiu uma categoria e passou a ter o amigo como rival.

Logo que a mudança foi confirmada, Guilheiro ligou para Canto. A primeira reação tirou risos do paulista.

- Liguei para o Flávio e disse que havia subido de categoria, que estava tendo problemas para controlar o peso. Durante um tempo, ele ficou em silêncio e depois perguntou: "Você vai continuar sendo meu amigo?" (risos). Eu respondi que claro, as coisas não iriam mudar entre a gente – conta Guilheiro.

O Grand Slam do Rio valerá pela primeira vez como forma de ranqueamento para os Jogos de Londres, em 2012, o que dá ainda mais importância a um possível duelo. Guilheiro saiu na frente na disputa. No início do mês, ele ficou com a prata no GP da Tunísia, a primeira competição a valer pontos para as Olimpíadas. Canto, que não participou do evento em Túnis, ressalta a boa adaptação do amigo à nova categoria.

- O Leandro fez uma subida brilhante. Está em uma fase exuberante, se adaptou muito bem. E isso puxa todos os judocas para cima. O Nacif (Elias) e o Guilherme (Luna) também estão muito bem. E isso motiva na hora da competição.

'Somos amigos há muito tempo', lembra o judoca Flávio Canto

Rivalidade, só na hora da luta

Mesmo assim, Canto afirma que a rivalidade fica apenas no tatame.

- Nós somos amigos há muito tempo, já passamos por muitas coisas juntos, disputamos as Olimpíadas. Fora do tatame, essa rivalidade não existe. E tenho certeza de que quem quer que seja que se classifique para os Jogos de Londres, o outro vai estar lá para dar o apoio. É uma situação diferente, mas pela experiência, consigo levar. Ele é um cara excelente - disse.

Guilheiro acredita que, se encontrar o amigo do outro lado do tatame, será uma oportunidade de aplicar a filosofia básica do judô. Para ele, o mais complicado será lidar com o equilíbrio técnico entre os judocas.

- É uma situação diferente. Mas é uma questão de caráter, de amizade. É uma oportunidade de aplicar essa filosofia que o judô ensina. O que eu acho complicado é a parte técnica. Os dois têm medalhas olímpicas, vai ser duro. Mas nada vai ser levado para o lado pessoal. Esse é o espírito. Um dia, a carreira dos dois vai acabar. Claro que ele sabe muito do meu judô, assim como eu sei do dele. Nós treinamos várias vezes juntos. Mas a certeza é de que do chão não passa - brincou o judoca.

O Grand Slam do Rio de Janeiro está programado para sábado e no domingo, no Maracanãzinho. Serão 365 atletas, de 42 países, espalhados em 14 categorias diferentes. Entre os competidores, estarão 18 campeões mundiais, 26 medalhistas olímpicos e 73 judocas que hoje ocupam um lugar entre os dez melhores de seu ranking. É o maior evento do esporte desde o Mundial de Judô de 2007, também no Rio de Janeiro.